domingo, 16 de maio de 2010

GOVERNO FHC E A REFORMA DA EDUCAÇÃO





As políticas governamentais seguem o rumo do neoliberalismo com a investidura de Fernando Henrique Cardoso na presidência da República Federativa do Brasil para o período de 1995-1998. A reeleição, para o mandato seguinte, o qual encerrou-se em 31/12/2002, ratificou o rumo traçado. Sua campanha englobava cinco metas prioritárias, a saber: educação, agricultura, saúde, emprego e segurança. O Brasil já havia aberto suas fronteiras para a importação e expansão da tecnologia e ampliação da competitividade comercial, durante o governo de Fernando Collor de Melo. Entretanto a educação pedia atenção e reformas. E FHC, como ficou popularmente conhecido o presidente, prometia estimular a educação brasileira, através de políticas públicas condizentes com a real necessidade, mormente porque a educação nem sempre fora objeto de atenção dos governantes anteriores e, mais ainda, porque o Brasil estava comprometido com pactos firmados com o Banco Mundial e com o Fundo Monetário Internacional, em função de empréstimos internacionais contraídos. Faz-se necessário lembrar que o Brasil havia recém saído de 20 anos de governo militar, sendo Fernando Henrique o segundo presidente eleito pelo voto popular após a referida ditadura. Ávida por mudanças, a República brasileira já estava sob a égide da nova ordem constitucional, inaugurada em 5 de outubro de 1988. Também em decorrência do milagre brasileiro durante os anos do governo militar, em que houve grande desenvolvimento tecnológico, aliado às altas do 101 petróleo, produto do qual o Brasil era dependente de importação, o país estava assoberbado por empréstimos contraídos junto ao Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, é notório que o Banco Mundial, a exemplo do FMI, exerceu um financiamento perverso posto que ampliou a pobreza nestes países denominados periféricos, propiciando a concentração de renda à pequena parcela da população, além de favorecer o aprofundamento da exclusão social . A trajetória do Banco Mundial, instituição criada pela Conferência de Bretton Woods em 1944, passou de organismo voltado à reconstrução de economias destruídas pela II Guerra Mundial a fomentador de desenvolvimento de países periféricos, os denominados países em desenvolvimento. A partir da década de 1980, o Banco Mundial passou a ter mais presença no cenário mundial, ditando regras de reestruturação econômica, agindo como protetor dos interesses dos credores. Os países endividados deveriam seguir a “cartilha” do Banco Mundial, o que, além de garantir o pagamento da dívida também promovia o ajuste interno para a inserção do país na nova ordem global. Fernando Henrique e sua equipe necessitavam, para poder dar conta de sua proposta eleitoral, renegociar os empréstimos junto aos credores internacionais. E, naturalmente, quem é devedor subjuga-se às exigências do credor. Um dos maiores provedores do FMI e do Banco Mundial, além de ser membro do G-7, os Estados Unidos, através de sua influência nos referidos organismos internacionais, espalharam a política neoliberal para todos os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como se fosse a solução mágica para todos os problemas, aí incluindo-se a educação. O ajuste demandava alta de juros, privatizações, enxugamento da máquina administrativa. A equipe governamental, seguindo as tendências iniciadas por Fernando Collor de Melo, ampliou a política de importação, efetivou “privatizações”, extinguiu “monopólios”, promoveu a reforma da previdência social, adequou o país à economia capitalista globalizada. Para tanto, houve, inclusive, reforma na Constituição da República, através de algumas emendas constitucionais, como a que acabou com o monopólio do petróleo. Sobre as reformas efetivadas no mandato de FHC, Luca (2003, p. 489) expressa que:
As reformas levadas a efeito, sobretudo durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1994-98), incluíram a privatização das empresas estatais, regulamentação da concessão de serviços públicos para a iniciativa privada, como transportes e eletricidade, revisão dos cerceamentos constitucionais ao capital externo, além de mudanças na Previdência Social, como fim da aposentadoria por tempo de serviço, e propostas da flexibilização e desregulamentação da compra e venda da força de trabalho. A orientação neoliberal, voltada para o mercado, segundo o jargão dominante, prevê a diminuição do papel ativo do Estado em todos os setores. (LUCA, 2003, p. 489)
Adotou-se como prática neoliberal o desmantelamento do Estado. Seguindo esta tendência, FHC, durante a realização de seus mandatos, empreendeu esforços para diminuir a participação do Estado na economia, extinguiu a aposentadoria por tempo de serviço, o que acarreta tempo maior de contribuição pelo trabalhador ao regime da Previdência Social. Incentivou a entrada do capital externo na economia nacional, pelo que efetivou mudanças na Constituição Federal. Também propôs mudanças na legislação trabalhista mediante a denominada flexibilização. Conforme a explicação “neoliberal”, a flexibilização é tida como necessária para diminuir o custo das empresas no que se refere à folha de salário e, desta forma, permitir-se a abertura de novos postos de trabalho. Sob a ótica dos que aprovam a medida, o engessamento da economia provocada pelas regras rígidas de proteção ao trabalhador é um entrave ao crescimento econômico nacional. Entretanto, Fernando Henrique afirma que “jamais subscrevi as idéias “neoliberais” a favor de um Estado mínimo” (2006, p. 559). Segundo o ex-presidente ele realizou uma reforma de Estado para trazê-lo à modernidade e deixá-lo mais
eficiente, e apto para incorporar as massas empobrecidas. Sem um Estado mais competente, se grande ou pequeno depende das circunstâncias, torna-se impossível enfrentar o desafio de por em andamento uma política social para incorporar as massas empobrecidas. Ao mesmo tempo, sem possuir os instrumentos necessários para lidar com as forças do mercado globalizado, cada vez mais poderosas, por maior que seja o Estado em número de funcionários ou em proporção dos gastos, ele será ineficiente e não servirá ao desenvolvimento do país. (CARDOSO, 2006, p. 559) Houve, pois, o “desmantelamento” do Estado, adequando-o à nova exigência mundial. Não se deve olvidar que o Brasil contemplava uma tradição de oligarquias. Esta presença arcaica, desde os tempos em que o Brasil foi colônia de Portugal, demandava ser alterada para que se oportunizasse uma melhoria na organização brasileira, não somente em termos de políticas como nos serviços públicos. Urgia repensar uma nova modelagem para o “país das alianças”, país em que as elites oligárquicas assumiam uma posição “mais liberal”, sem que houvesse alteração nos objetivos dos “detentores do poder”, os “coronéis”, a permanência de uma classe de dominados. (BURSZTYN, 1990) O mote utilizado pelo então governante foi a modernidade. O Estado brasileiro necessitava incorporar-se à modernidade, atraindo investidores, tornando-se competitivo, produzindo mais. Produzir mais para encampar as massas empobrecidas. Em relação à modernidade o que percebe é a mundialização da economia, o capitalismo global advindo das empresas transnacionais que abalaram as estruturas do Estado-Nação. Ademais, estão presentes na modernização as elites, sejam elas quais forem, das mais diversas organizações como religiosas, empresariais, militares ou intelectuais, que procuram amoldar os demais ao seu pensamento, cabendo aos dominados apenas comportar-se conforme as determinações “superiores” e realizar o que deles se espera. A respeito da modernização, afirma Ianni que O povo, as massas, os grupos e as classes sociais são induzidos a realizar as diretrizes estabelecidas pelas elites modernizantes e deliberantes. Daí a necessidade de alfabetizar, profissionalizar, urbanizar, secularizar, modificar instituições e criar novas, reverter expectativas e outras diretrizes, de modo a viabilizar a execução e dinamização dos objetivos e meios de modernização, modernos, modernizantes. (IANNI, 2001, p. 101) Dentro desta perspectiva depreende-se que a modernidade, que foi o ponto de partida daquela equipe de governo para a efetivação das reformas, encontrou apoio nos objetivos das “elites dominantes”. Pode-se perceber que, independentemente de se incluir ou não como “neoliberal”, o fato inegável é que FHC, auxiliado pela colaboração dos integrantes de seu ministério, efetivamente introduziu modificações no Estado brasileiro, agindo nas áreas da previdência, educação e do funcionalismo público, entre outras, de vez que a estrutura do Estado não mais suportava tamanha envergadura. É de seu período como presidente que foi criado o Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE. Tais alterações que visavam trazer o Estado brasileiro à modernidade, não caberiam tão somente na superação dos problemas econômicos, mas deveriam servir para também superar a alienação política (COUTINHO, 1992), fato que persistia na sociedade brasileira em decorrência dos anos de ditadura militar, em que os brasileiros foram alijados da participação nos destinos do país. Efetivamente as maiores mudanças realizadas no Brasil aconteceram durante os dois mandatos de FHC, para que o Brasil pudesse, segundo palavras do ex-presidente, tornar-se um país mais competente e apto a incorporar as massas empobrecidas. Na questão educacional, o governo FHC procurou atender mais o ensino fundamental, o que certamente foi ao encontro das “orientações” dos organismos internacionais de financiamento. De acordo com o entendimento do Banco Mundial a “educação básica proporciona o conhecimento, as habilidades e as atitudes essenciais para funcionar de maneira efetiva na sociedade sendo, portanto, uma prioridade em todo lugar” (Banco Mundial, apud TORRES, 2000, p. 131). Portanto, houve o direcionamento da educação nacional em conformidade com o que “aconselhavam” os organismos de financiamento internacional, posto que tais organismos estavam alastrando suas políticas econômicas e sociais para os países periféricos. Neste diapasão educa-se a massa de trabalhadores para que ela possa produzir mais, pois não interessa ao Estado um massa de analfabetos que sequer identifica as letras do próprio nome. Ademais, o homem é fazedor, construtor, “criador” de sua própria cultura, incorporando os conhecimentos já produzidos pelos seus antecessores. A educação, por princípio necessitaria produzir a emancipação, o que se constitui num grave problema mundial, estando o globo inserido no capitalismo que produz a exclusão e a alienação. Segundo Adorno, a emancipação “ultrapassa em muito os limites dos sistemas políticos” (2006, p. 175). Essa emancipação que advém do conhecimentoemancipação, proporciona o desvincular-se de determinações emanadas de outrem, seja de organismos de instituições políticas ou mesmo de outra pessoa, surge como um dos novos paradigmas da modernidade, sendo o outro o conhecimento regulação. Enquanto este assenta-se no progressão do caos para a disciplina, aquele comporta o desenvolvimento do colonialismo para a solidariedade (FERREIRA, 2007b). Nesse sentido pode-se depreender que a educaçãoemancipação, que é dirigida para a exploração da solidariedade, de conhecimentos voltados para a expansão do homem enquanto ser social, coletivo, que age em colaboração com seus pares, quebrando a hegemonia do poder centrado na regulação, avista-se como um caminho a ser percorrido pela humanidade na persecução de um mundo mais igualitário e justo. Nas palavras de Ferreira, “a palavra emancipação traduz a idéia de liberar-se de uma dependência, tutela ou opressão” (2007b, p. 252). Impõe-se, pois, a libertação da dominação do conhecimento-regulação em favor do conhecimentoemancipação, da libertação do domínio das elites, proporcionando a todos, homens e mulheres, independentemente de classe social ou condição econômica, o despertar para um novo milênio, o da solidariedade, evocando o seu agir enquanto cidadão consciente e responsável. Neste aspecto, a educação revela-se uma questão importante nas políticas públicas, principalmente nos estados democráticos. O governo FHC implantou políticas específicas como a duplicação da merenda escolar, a distribuição de livros escolares (módulo biblioteca), ampliação do transporte na área rural, capacitação e qualificação de professores, criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) (Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996). Sua política educacional tinha atenção voltada para o ensino fundamental, aliada à melhoria do magistério, com racionalização na aplicação dos recursos financeiros, invertendo-se as políticas até então praticadas por seus antecessores. No MEC as prioridades eram óbvias: ampliar o ensino fundamental, melhorar a qualificação dos professores, tentar pagar-lhes melhor, sobretudo nas zonas mais pobres do país e, ao mesmo tempo, revitalizar o ensino profissional e racionalizar os gastos com o ensino superior. Além disso,
tínhamos que incutir a necessidade de avaliação de desempenho. (...) Tivemos grandes dificuldades para por em prática políticas que invertiam as prioridades, passando-as do ensino superior para o fundamental e, ainda por cima, com medidas de descentralização administrativa, que incluíam, sempre que possível, critérios de mérito, com sucessivas avaliações. (CARDOSO, 2006, p. 514-515) Depreende-se que o governo tinha como um de seus objetivos na
educação, a par da prioridade no ensino fundamental, investir na qualificação dos professores desse nível de ensino, inclusive com aumento nos salários desses profissionais, em especial para aqueles localizados nas zonas mais pobres do Brasil, revitalizar o ensino profissional, porquanto a Constituição da República determina a educação para o trabalho e para o exercício da cidadania. No ensino superior, a ordem era racionalizar os gastos. A instituição de um sistema de ensino, tal como o disposto na LDB, em que se verificam os princípios norteadores da educação brasileira, em cotejo com os comandos constitucionais, poderiam servir para o fortalecimento do modo capitalista de produção, em que a educação pode ser explorada por instituições particulares, visando o lucro, além da mercantilização da educação em todas as suas diversificadas formas presentes na sociedade capitalista. Nesse sentido, a avaliação de instituições e seus cursos de graduação e respectivos acadêmicos, serve como freio na expansão exagerada de instituições privadas de ensino superior que se lançam no mercado movidas pelo objetivo de lucro. Não houve, contudo, a ampliação da educação pública para o ensino médio ou superior, que são deixadas para a iniciativa privada. Durante seu governo inúmeras instituições particulares de ensino superior foram criadas, expandindo-se a oferta de vagas. Também surgiram os cursos seqüenciais e por módulos, que são cursos de graduação de curto prazo (2 anos), para atender a classe trabalhadora, diferentemente dos cursos tradicionais de graduação, de duração entre 4 e 5 anos. Em termos de gratuidade e universalização da oferta de ensino público, Santos (2005) encampa a idéia de que isto é uma “utopia” enquanto não se resolverem outros problemas que influenciam nessa questão, como a desigualdade social. Nesse contexto, FHC, auxiliado por seus colaboradores, aproveitando os dispositivos constitucionais relativos à educação, editou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Esta lei traz um novo ciclo para a educação brasileira, porquanto voltada para o mundo do trabalho e à prática social. A LDB dispõe sobre os princípios e fins da educação nacional, sua composição e modalidades de educação e de ensino, estabelecidas em educação básica e educação superior. A educação básica contempla a educação infantil, o ensino fundamental e médio. No ensino superior encontram-se os cursos seqüenciais, os de graduação, de pós-graduação e de extensão. Durante a égide do Governo FHC foi editada a Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprova e veicula o plano nacional de educação, além de inúmeros outros documentos que tratam da educação superior., tais como o Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997, que regulamenta as instituições de ensino superior, e introduz a distinção entre universidades e centros universitários; a Portaria nº 301, de 7 de abril de 1998, que normatiza os procedimentos de credenciamento de instituições para a oferta de cursos de graduação e educação profissional tecnológica à distância; a Portaria nº 612, de 12 de abril, de 1999, que trata sobre a autorização e reconhecimento de cursos seqüenciais de ensino superior, revogada pela Portaria nº 4.363, de 29 de dezembro de 2004, em vigência. Percebe-se que é extremamente profícua a produção legislativa para a educação superior nesse período. Quiçá motivado pela novel Constituição é que inúmeros documentos foram produzidos na seara educacional, como os já citados e que serão objeto de análise.

Disponível em: http://tede.utp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=210 . Acessado em: 15/05/2010.

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