A política educacional executada pelos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) revela o caráter ideologicamente privado assumido na reforma da educação superior brasileira. Essa reforma foi implementada por meio da edição de uma série de instrumentos normativos, tendo como marco de referência a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº 9.394, aprovada em 20 de dezembro de 1996, na qual o Estado assumiu papel destacado no controle e na gestão das políticas educacionais. Dentre as diversas alterações adotadas na educação superior brasileira a partir da LDB, merece destaque, nesse estudo, a flexibilização/fragmentação por meio da diversificação institucional e a expansão pela via do setor privado, acentuando a privatização desse nível de ensino. A LDB define no art. 20 três tipos de instituições privadas de ensino: as particulares em sentido estrito (empresariais); as comunitárias; as confessionais e filantrópicas. Observa-se, no entanto, uma imprecisão na definição das instituições confessionais e comunitárias como IES de direito privado. São consideradas comunitárias as IES que tiverem a presença de representantes da comunidade na sua entidade mantenedora. Às confessionais é exigida, além da presença de representantes da comunidade, que tenham orientação confessional e ideologia específicas. Essa imprecisão contribuiu para que a maioria das IES, consideradas sem fins lucrativos, se autodenominem, simultaneamente, de comunitárias, confessionais e filantrópicas, favorecendo as grandes empresas de ensino superior que, por serem julgadas filantrópicas, continuem a receber subsídios públicos. A subdivisão do setor privado em duas vertentes diferenciadas: de um lado os tidos como não-lucrativos e, de outro, os que se apresentam como empresas lucrativas; oferece nova configuração à disputa clássica entre os defensores da escola pública e os defensores da escola privada. Ao distinguir-se das instituições lucrativas, as confessionais ou filantrópicas visam aproximar-se do setor público reivindicando o acesso a verbas públicas. Utilizando a justificativa do caráter não lucrativo essas instituições se autodenominam de públicas não-estatais. A aprovação da LDB, no entanto, favoreceu não apenas as instituições ditas não-lucrativas, mas também o setor empresarial que almeja somente o lucro. Nesses dez anos de vigência, a LDB vem sofrendo alterações, exigidas pela matriz neoliberal, que se expressam no ajuste e na reestruturação educacional impostos aos países da América Latina pelos organismos internacionais como o Banco Mundial (BM). Na educação superior as alterações foram feitas por meio da edição de decretos, leis, portarias e outros instrumentos normativos. Para efeito desse estudo, destacamos as alterações instituídas no Decreto nº 2.207, de 5/04/1997 alterado pelo Decreto nº 2.306 de 19 de agosto de 1997 que regulamentou o Sistema Federal de Educação – por meio do qual o governo normatizou as atribuições das instituições superiores privadas de ensino, admitindo de forma definitiva as instituições com fins lucrativos e estabelecendo a diversificação das instituições de ensino superior em cinco tipos: I - Universidades; II – Centros Universitários; III - Faculdades Integradas; IV - Faculdades; e V - Institutos Superiores ou Escolas Superiores. Embora esse Decreto tenha sido fundamental para a estrondosa expansão do empresariamento do ensino superior no Brasil, a consolidação desse processo se deu por meio da instituição, novamente autoritária, do Decreto nº 3.860, baixado no dia 9 de julho de 2001, que alterou as regras de organização do ensino superior e da avaliação de cursos e instituições, e definiu nova mudança na diversificação das instituições de ensino superior. Em lugar dos cinco tipos de instituições de ensino superior, o novo Decreto estabelece apenas três: I - Universidades; II – Centros Universitários; III - Faculdades Integradas; Faculdades; Institutos Superiores e/ou Escolas Superiores. Observa-se no entanto que, de fato não foi alterada a natureza das IES existentes, sendo apenas reagrupadas diferentemente.
Dando continuidade à reforma privatista da educação superior, o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006) aprovou os seguintes instrumentos legais: Decreto 4.914, de 11/12/2003 (dispõe sobre os centros universitários alterando o art. 11 do Decreto nº 860, de 9 de julho de 2001); Lei nº 10.861, de 14/04/2004 (que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES); Lei nº 10.973, de 2/12/2004 (que dispõe sobre incentivos à inovação tecnológica); Lei nº 11.079, de 30/12/2004 (que institui a Parceria Público Privada - PPP); o Decreto Presidencial nº 5.225, de 1/10/2004 (que elevou os Centros Federais de Educação Tecnológica - CEFETs à categoria de Instituições de Ensino Superior); o Decreto Presidencial nº 5.245, de 18/10/2004 transformado na Lei nº 11.096/05 (que criou o Programa Universidade para Todos – PROUNI); o Decreto Presidencial nº 5.205, de 20/12/2004 (que regulamenta as fundações de apoio privadas no interior das IFES); o Decreto Presidencial nº 5.622, de 19/12/2005 (que regulamenta a educação à distância no Brasil e consolida a abertura do mercado educacional brasileiro ao capital estrangeiro); e mais recentemente o Decreto nº 5.773, de 9/05/2006 (que estabelece normas para as funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de ensino superior) e o Projeto de Lei nº 7.200/06, encaminhado pelo governo federal ao Congresso Nacional, em junho de 2006, que estabelece nova regulamentação para a educação superior brasileira.
Esse conjunto de medidas normativas, mantém, fortalece e dá continuidade a política de expansão do ensino superior sob a lógica da diversificação e privatização. É importante ressaltar que a diversificação das Instituições de Ensino Superior segue as orientações do Banco Mundial para a educação superior na América Latina, sistematizadas no documento: “La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiência” (1995), que recomenda:
A introdução de uma maior diferenciação no ensino superior, ou seja, a criação de instituições não universitárias e o aumento de instituições privadas, podem contribuir para satisfazer a demanda cada vez maior de educação superior e fazer com que os sistemas de ensino melhor se adeqüem às necessidades do mercado de trabalho. (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 31).
Essa política de diversificação institucional e da liberalização para a criação de instituições isoladas, se expressa por meio dos dados do Censo do Ensino Superior que mostram que no Brasil havia em 2005, 2.165 Instituições de Educação Superior; destas, 176 eram Universidades, 114 Centros Universitários, 117 Faculdades Integradas, 1.574 Faculdades/Escolas/Institutos e 184 Centros Federais de Educação Tecnológica e Faculdades de Tecnologia.
No período pós-LDB, de 1996 a 2005, ocorreu um crescimento de 27,5% no número de Universidades e de 144,8% no número de Faculdades, Escolas e Institutos. Observa-se uma tendência à substituição do modelo de Faculdades Integradas, que apresentaram um decréscimo em -18,2% no período analisado, pelos Centros Universitários e os Centros de Educação Tecnológica e Faculdades Tecnológicas que apresentaram maior crescimento no período pós-LDB. No ano seguinte à aprovação da LDB, iniciou-se a criação de Centros Universitários passando de 13 Centros em 1997, para 114 IES desse tipo em 2005, um crescimento de 777%. Os Centros de Educação Tecnológicas e Faculdades de Tecnologia foram criados a partir de 1999, após a aprovação do Decreto 2.208 de 1997, que transformou as Escolas Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica. Esse tipo de IES foi a que apresentou o maior crescimento após a aprovação da LDB passando de 16 em 1999, para 184 em 2005, aumentando 1.050% em apenas seis anos. A Tabela 1 a seguir evidencia a evolução da diversificação institucional.

Ao analisarmos a diversificação institucional nas IES públicas e privadas, os dados do Censo da Educação Superior demonstram que o setor privado expandiu de forma mais acentuada que o setor público evidenciando o aprofundamento da política privatista adotada pelos governos brasileiros no período pós-LDB. Das 922 IES existentes no Brasil em 1996, 211 eram públicas (22,9%) e 711 eram privadas (77,1%). No ano de 2005, eram 2.165 IES no país, sendo 231 (10,7%) públicas e 1.934 (89,3%) privadas. O crescimento das IES no período foi de 134,8%, sendo que as públicas cresceram 9,5% e as privadas 172%. O Gráfico 1 a seguir mostra a evolução das IES públicas e privadas pós-LDB.

Chama atenção o fato de que tanto no setor público como no privado a diversificação institucional é uma característica desse nível de ensino. Analisando os dados do Censo do Ensino Superior no período pós-LDB, fica evidente que a forma de organização institucional predominante no setor privado é de Faculdades, Escolas e Institutos, com 515 IES desse tipo no ano de 1996, passando para 1.493 em 2005, apresentando um crescimento de 190%. As universidades tem sido a forma de organização mais predominante no setor público que no privado. Das 231 IES públicas em 2005, 90 eram universidades (39%) enquanto no setor privado, das 1.934 IES, apenas 86 eram universidades (4,4%). Observa-se, ainda, que as IES organizadas em Faculdades, Escolas e Institutos vêm decrescendo a cada ano no setor público, apresentando no período de 1996 a 2005, um crescimento negativo de -36,7%. Outro tipo de IES que vem decrescendo são as Faculdades Integradas que, no período analisado, foram reduzidas em -63,6% no setor público e -14,4% no privado. Por outro lado, o tipo de IES que mais cresceu no período em estudo foram os Centros de Educação Tecnológica e Faculdades Tecnológicas que, apesar de serem o tipo de organização institucional mais recente no país, apresentaram no setor público, um crescimento de 231,3%, no período de 1999 a 2005 e, no setor privado, cresceram 1.625%, de 2001 a 2005, passando de 8 IES para 131. A Tabela 2 a seguir, mostra a evolução das IES públicas e privadas, por organização acadêmica no período pós-LDB.

Os dados do Censo evidenciam que a política implementada no país para a educação superior favoreceu também a expansão desse nível de ensino com ênfase para o setor privado. Ao analisarmos o Plano Nacional de Educação, elaborado em 1998 e aprovado pela Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001, fica evidente que o governo reconhecia a necessidade de expansão do ensino superior no país, mas defendia que essa devia ser feita com a “racionalização dos gastos e diversificação do sistema” além, é claro, da contribuição valiosa das instituições privadas. A meta a ser atingida, em dez anos, era a do atendimento de 30% da população, na faixa etária de 18 a 24 anos, sendo estabelecido que o setor público teria uma expansão de vagas que se mantivesse numa proporção nunca inferior a 40% do total.3 Essa meta, no entanto, está longe de ser atingida uma vez que em 2004, os dados do PNAD (2004) apontam que apenas 10,5% da população brasileira de 18 a 24 anos, teve acesso a esse nível de ensino.
Para agravar essa situação, o PNE prevê, ainda, que a expansão dependerá de uma racionalização, no uso dos recursos, que diminua o gasto por aluno, nos estabelecimentos públicos; da criação de estabelecimentos voltados mais para o ensino que para a pesquisa;da ampliação do ensino pós-médio; e do estabelecimento de parcerias entre união, estados e instituições comunitárias, para ampliar, substancialmente, as vagas existentes.
Pode-se afirmar que a política de expansão das IES privadas refletem de um lado, a omissão dos governos em relação à expansão das instituições públicas, criando uma reserva de mercado para o setor privado. Por outro lado, é recorrente a liberalização e desregulamentação desse setor que tem encontrado facilidades para expandir, por meio da adoção pelo Estado brasileiro de uma série de mecanismos, tais como: a liberalização dos serviços educacionais, isenções tributárias, isenção da contribuição previdenciária das filantrópicas, isenção do salário educação, bolsas de estudo para alunos carentes via programa do Crédito Educativo hoje transformado no Financiamento Estudantil (FIES), empréstimos financeiros a juros baixos por instituições bancárias oficiais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES, o Programa Universidade para Todos – PROUNI4, dentre outras formas de estímulo.
Sobre a expansão do setor privado, os dados do INEP são reveladores da política desenvolvida pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Ao analisarmos os dados oficiais sobre o ensino superior brasileiro observa-se que, a predominância do setor privado, tanto em relação ao número de instituições, como de alunos atendidos e cursos de graduação é uma característica do quadro desse nível de ensino.
De acordo com o Censo do Ensino Superior (MEC/INEP), no ano de 2005, foram registradas 4.453.156 matrículas em cursos de graduação presenciais, sendo que destas 1.192.189 em IES públicas e 3.260.967 em IES privadas, o que corresponde respectivamente, a 26,8% e 73,2% do total de matrículas. Analisando o período de 1996 a 2005, verifica-se um crescimento de 138,3% alunos matriculados no ensino superior brasileiro, observa-se, no entanto, que no setor privado esse crescimento foi de 187,8%, mais do triplo que o apresentado pelo setor público que cresceu 62,1%.
Segundo ainda dados divulgados pelo referido Censo foram registrados em 2005, 20.407 cursos de graduação presenciais ofertados pelas IES no Brasil, sendo 6.191 cursos ofertados por IES públicas e 14.216 por IES privadas, correspondendo a 30,3% e 69,7 % respectivamente. Observando o período de 1996 a 2005, o percentual de crescimento decursos de graduação presenciais foi de 207,1% em todo o país, sendo que nas IES públicas, cresceram 107,9% enquanto nas privadas foi de 287,8%. A Tabela 3 a seguir mostra a expansão das matrículas e cursos no período pós-LDB.

Outro dado significativo para a análise da política de privatização implementada pelos governos neoliberais brasileiros é o fato de que o acelerado crescimento do ensino superior evidenciado acima, não tem sido suficiente para atender à demanda populacional uma vez que a taxa de escolarização nesse nível de ensino é muito baixa. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004 (PNAD/IBGE), a taxa de escolarização era 18,6% em 2004, enquanto a taxa líquida, era de, apenas, 10,5%. Isso quer dizer que dos 24.072.318 jovens brasileiros que estão na faixa etária de 18 a 24 anos, apenas 10,5% estão matriculados no ensino superior. Comparando com dados de outros países fica evidente que o Brasil apresenta uma das piores taxas de escolarização bruta, perdendo apenas para o Paraguai e África do Sul (Coréia, 72%; EUA, 72%; Portugal, 47%; Argentina, 48%; Chile, 38%; Uruguai, 34%, Bolívia, 33%; Colômbia, 22%; Cuba, 21%; México, 20%; África do Sul, 15%; Paraguai, 14%;)5. Com isso, percebe-se a dimensão doproblema a ser enfrentado num mundo globalizado onde a ciência, a tecnologia e a cultura são fundamentais para o desenvolvimento societário.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004 (PNAD/IBGE) mostra que a desigualdade na distribuição de renda no Brasil é cada vez mais acentuada. Dos 181.270.380 moradores em domicílios particulares permanentes, 17.670.978 (9,7%) pertencem à classe de rendimento mensal domiciliar de até 1 salário mínimo; 35.934.490 (19,8%) pertencem à classe de renda mensal de 1 a 2 salários mínimos e 29.255.748 (16,1%) são moradores em domicílios cuja renda mensal é de 2 a 3 salários mínimos. Portanto, nessas faixas mais baixas de rendimento encontra-se um total de 45,7 % dos habitantes do País. Os moradores em domicílios particulares cuja renda mensal é acima de 20 salários mínimos são 6.669.825 o que representa 3,7% da população residente no Brasil.
Em estudo realizado para o INEP, Amaral (2006) demonstra, por meio da análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004, que a expansão do setor privado chegou ao limite devido o baixo rendimento médio mensal das famílias residentes em domicílios particulares no país. Essa desigualdade evidencia que a política de expansão do ensino superior pela via do setor privado, encontra limites que se dão pela própria incapacidade financeira das famílias manterem seus filhos nesse tipo de estabelecimento de ensino.
Considerações finais
A reforma do Estado brasileiro implementada nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva por meio da adoção de uma série de ajustes estruturais na economia, trouxe conseqüências diretas para a política educacional brasileira, com ênfase na educação superior.
O movimento de privatização desse nível de ensino tem sido intenso e se evidencia tanto pela expansão do setor privado como pela privatização das IES públicas. Esse movimento vem transformando a universidade pública num modelo educacional que privilegia a mercantilização do ensino como a principal forma de superação da crise institucional que ela vivencia. Assim, a privatização interna das instituições públicas ocorre por meio da utilização de diferentes mecanismos, dentre os quais destacamos: criação de fundações de direito privado; cobranças de taxas de mensalidades de cursos de pós-graduação lato sensu; convênios e contratos de prestação de serviço com empresas privadas para o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão; dentre outros, com a finalidade de captar recursos no mercado.
Os dados evidenciam que a política para a educação superior, promovida pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, incentivaram a ampliação da oferta desse nível de ensino com a redução dos custos e o privilegiamento da mercantilização do mesmo, seja por meio do crescimento de IES privadas com fins exclusivamente lucrativos ou da abertura das IES públicas para o mercado.
Para implementar essa política, os governos neoliberais brasileiros defenderam o afastamento do Estado da manutenção plena da educação superior pública (o que ficou explícito nos vetos do Plano Nacional de Educação por Fernando Henrique Cardoso e sua manutenção pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva)6 incentivando a livre competição mercadológica entre as instituições de ensino superior. Com isso, as políticas para a educação superior foram reduzidas a uma política de gastos, ao mercado e ao econômico, “aproximando-se as universidades públicas ao modelo de empresas prestadoras de serviços que conduzem a novas formas de organização e gestão, acirrando o movimento de concorrência entre essas instituições”. (CHAVES, 2005).
A redução dos investimentos públicos e a defesa da diversificação das fontes de financiamento foram centrais na reforma da educação superior adotada no país. Essa reforma cumpre as orientações do Banco Mundial que apresenta como uma de suas teses a de que a crise da educação brasileira deriva do modelo de universidade de pesquisa (modelo humboldtiano), que seria excessivamente unificado e caro. Nesse sentido, a defesa da indissociabilidade entre ensino-pesquisa e extensão é inviável teórica e financeiramente., como se evidencia no relatório:
(...) maior autonomia institucional é a chave para o êxito da reforma do ensino público superior, especialmente a fim de diversificar e utilizar os recursos mais eficientemente (...) A experiência demonstra que se quer que as instituições estatais melhorem sua qualidade e eficiência, os governos deverão efetuar reformas importantes no financiamento a fim de mobilizar mais recursos privados para o ensino superior em instituições estatais (...) de várias maneiras: mediante a participação dos estudantes nos gastos; arrecadação de recursos de ex-alunos; utilização de fontes externas; realização de outras atividades que gerem receitas. (grifos nossos). (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 44 e 69).
Essa tese fundamenta-se no argumento de que o conhecimento propiciado pelo ensino superior deve ser visto como um investimento produtivo (pois garante ganhos), um bem privado ou uma mercadoria de interesse individual negociado no mercado de trocas. Isso fortalece a idéia de que o Estado deve se afastar da manutenção desse nível de ensino uma vez que a educação superior passa a ser considerada como um serviço público não exclusivo do Estado e competitivo.
Assim, a reforma em curso na educação superior brasileira vem paulatinamente transformando as Instituições de Ensino Superior públicas em organizações sociais cujos contratos de gestão estabelecidos com o governo, por meio do Plano de Desenvolvimento Institucional, traduzem a proposta do Plano Diretor da Reforma do Estado preconizada por Bresser Pereira. Trata-se, de fato, da implantação de um Estado economicista e empresarial-gerencialista, onde a satisfação das demandas do mercado e de sua lógica da competição ocupam lugar de destaque.
Após dez anos da promulgação da LDB, os dados evidenciados nesse estudo revelam que a política expansionista adotada, pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da diversificação institucional e pelo aprofundamento da privatização do ensino superior, sem acréscimo de recursos públicos, apesar de ter promovido a expansão do acesso não corresponde à grande demanda populacional existente, em especial, na faixa etária de 18 a 24 anos. O Censo da Educação Superior, demonstra que apenas 10,5% desses jovens tiveram acesso à educação superior sendo que,a maioria expressiva dos alunos matriculados no ensino superior brasileiro, 73,2%, está no setor privado e, em instituições isoladas de ensino que não desenvolvem pesquisa e extensão.
É possível afirmar que a meta estabelecida no Plano Nacional de Educação em atender 30% dos jovens da faixa etária de 18 a 24 anos no ensino superior até 2011 está longe de ser cumprida pelo governo, se mantidas essas políticas. Somente com acréscimo significativo de recursos públicos esse quadro poderá ser alterado em médio prazo.
Ressalta-se que a Reforma da Educação Superior proposta pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva e, encaminhada ao Congresso Nacional por meio do Projeto de Lei 7.200/20067, não contribuirá para a mudança desse quadro uma vez que limita os recursos para as IFES em 75% dos 18% dos recursos de impostos vinculados da União por um período de 10 anos, além de manter a Desvinculação de Recursos da União (DRU) no cálculo orçamentário. Por esse mecanismo, se subtrai 20% das receitas tributárias (sobre as quais as receitas vinculadas são definidas). Assim, em 2005, R$ 31 bilhões foram subtraídos da base de cálculo, o que significou retirar 5,6 bilhões de reais do orçamento da educação.
Ao mesmo tempo em que pretende reduzir, ainda mais, os recursos para desenvolvimento e manutenção das instituições federais de ensino superior, o governo as estimula a captarem recursos no mercado capitalista com vistas a minimizarem a criseinstitucional que vivenciam (SANTOS, 1996). A intenção é a de atrelar a educação à lógica do capital, na medida em que a universidade pública, ao buscar recursos no setor privado, ficará atrelada aos interesses empresariais, à inovação tecnológica e ao comércio exterior, dentre outros.
Desse modo, a educação de direito público e dever do Estado será transformada numa atraente mercadoria a ser negociada no mercado capitalista de serviços, nacional e internacional. Ora, sem a garantia de financiamento público para o sustento integral, as IES públicas seguirão a lógica da gestão empresarial, perdendo a frágil autonomia que ainda possuem, na medida em que a agenda da universidade será definida a partir dos interesses privados.
É importante salientar, ainda, que esse projeto do governo federal mantém a excessiva fragmentação da educação superior brasileira. Pela proposta, as IES poderão ser organizadas em universidades, universidades tecnológicas, faculdades, centros universitários e centros tecnológicos. Embora essa subdivisão da educação superior seja um pouco menor do que a atual, as emendas ao PL resgatam e até aumentam ainda mais a fragmentação desse nível de ensino.
Em síntese, podemos afirmar que, a reforma em curso para a educação superior brasileira, dificultará ainda mais o acesso da maioria da população ao ensino superior público e de qualidade que é um direito de todo(a)s e deve ser garantido pelo Estado brasileiro. A formação de profissionais de alta qualidade é uma necessidade urgente para o desenvolvimento da sociedade brasileira com redução da exclusão social.
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Caderno 6- Política Educacional
O SIMPLES FUNCIONA - Governo FHC MEC revoluciona o ensino sem projetos mirabolantes Esdras Paiva
Foto: Jader da Rocha Peça de teatro numa escola em Curitiba: sistema de ciclos eliminou a repetência.
Da educação brasileira já se disse quase tudo — ela é uma chaga nacional, a vergonha do país, o fator que condena os brasileiros à miséria. E isso tudo, infelizmente, ainda é verdade, segundo dez entre dez especialistas no assunto. A boa notícia é que não ficará assim por muito tempo. Dentro de quatro a cinco anos, o Brasil estará colhendo os bons resultados de uma verdadeira revolução silenciosa que está mudando a cara do ensino fundamental, que vai da 1ª à 8ª série. Trata-se de um universo enorme: são 34 milhões de alunos, 1,4 milhão de professores e cerca de 200.000 escolas, a esmagadora maioria no setor público. Entre essa massa, a política educacional do governo deu um belo salto, ganhou dinamismo e já começa a fazer algumas diferenças. "A política educacional de hoje é a mais consistente das últimas décadas", diz o professor Claudio de Moura Castro, que está na galeria dos mais respeitados especialistas em educação do país. "É a primeira vez na história que se vê uma gestão de educação como essa", festeja o pedagogo João Batista de Araújo, que dá consultoria educacional a cinco Estados. Com atraso histórico em relação até aos vizinhos da América Latina, o Brasil começou a correr atrás do tempo perdido com algumas mudanças simples (veja as novas iniciativas do MEC). A mais significativa, que entrou em vigor neste ano, é a criação de um fundo de nome quilométrico: chama-se Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, já apelidado de Fundão. Com ele, pela primeira vez na história, o ensino da 1ªà 8ª série está tendo dinheiro garantido, cerca de 13 bilhões por ano, mais do dobro dos anos anteriores. O Fundão é uma cesta de impostos que o governo federal distribui a Estados e municípios de acordo com o número de alunos matriculados no ensino fundamental. Resultado: todos os alunos, do Acre ao Rio Grande do Sul, terão no mínimo 315 reais por ano. Além disso, 60% do dinheiro deve ser destinado ao pagamento de professores. Isso fará com que os salários sejam aumentados entre 45%, nas regiões mais ricas do país, e 200%, nas áreas mais pobres. Caçador de idéias — O Estado brasileiro é pródigo em gastar muito, mas aplica mal o dinheiro. Em nações como o Brasil, a ONU recomenda gasto de pelo menos 250 reais por aluno ao ano — e o país está acima desse patamar. Em relação ao PIB, o gasto brasileiro também não faz feio. É igual ao da Espanha ou Portugal, e bem superior ao de países como Argentina e Chile, onde o nível educacional da população é muito mais alto que o brasileiro. O mérito do Fundão foi racionalizar esses gastos e, com isso, corrigir enormes distorções. Antes, o dinheiro era distribuído aos Estados e municípios sem levar em conta o número de alunos matriculados na rede pública. O efeito disso é que a prefeitura de Bragança Paulista, interior de São Paulo, que tem apenas 224 alunos na sua rede municipal, recebia uma bolada tal que podia aplicar até 17.000 reais por aluno, valor tão enorme que não encontra paralelo nem nas economias mais ricas do planeta. Já a prefeitura de Porto de Moz, cidade nos confins do Pará, recebia 50 reais por aluno. Com o Fundão, a diferença de investimento entre o aluno da rede municipal de Bragança Paulista e o de Porto de Moz vai cair substancialmente. Com isso, 2 bilhões de reais vão trocar de mãos, corrigindo excesso de um lado e escassez de outro. À frente do ministério desde o início do governo, o ministro Paulo Renato Souza virou um caçador de boas idéias, no Brasil e no exterior. O próprio Fundão é uma idéia que o célebre educador Anísio Teixeira já defendia nos idos da década de 50. A diferença é que, de lá para cá, dois ministros resolveram pôr em prática as boas idéias. O primeiro foi Murílio Hingel, ministro da Educação no governo de Itamar Franco, cujo trabalho é elogiado pelos especialistas. O segundo foi o ministro Paulo Renato. Na sua gestão, ele se empenhou em recolher as boas iniciativas e orientar os Estados para que as adotem. Do Maranhão, trouxe a idéia das "classes de aceleração", usadas no combate à repetência. No Paraná, descobriu a experiência dos "ciclos de alfabetização", que acabam com as séries. Com a experiência de Goiás, aplicou mudança radical na distribuição de merenda — o MEC deixou de centralizá-la, entregando o dinheiro na mão dos diretores das escolas. Em Minas, viu como estava dando certo a descentralização geral de recursos, e não apenas da merenda. O programa TV-Escola, que colocará aparelhos de TV, videocassetes e antenas parabólicas em 50 000 escolas, foi inspirado numa experiência desenvolvida na Inglaterra e no México.
Antes, o MEC era o centro dos grande projetos, onde geralmente só se pensava em construir escolas. Agora, o trabalho vai a detalhes como sugerir inovações para o resto do Brasil e zelar pela execução das propostas. Exemplo: fazer avaliação de livros didáticos. Antes, pensava-se em Ciacs monumentais, as escolas de 1 milhão de dólares do governo Collor, mas não se examinava o material que o aluno lia. Em 1996, o MEC montou uma comissão para analisar os livros. De cada quatro, três continham absurdos. Diziam que o presidente do país ainda era José Sarney, que o pulmão é um músculo e que o Brasil tem apenas 23 Estados. No ano passado, a situação já era melhor — dois de cada quatro livros foram rejeitados. Durante anos, imaginou-se que o problema do ensino no Brasil fosse a falta de escola. Até mesmo o programa da campanha eleitoral do presidente Fernando Henrique, o Mãos à Obra, Brasil, estimava que 4 milhões de crianças estavam fora da escola por falta de vaga. Ao montar um eficiente instituto de estatísticas, considerado o melhor da América Latina, o MEC descobriu que esse não era o problema. Em 1996, o Brasil tinha 28,5 milhões de jovens de 7 a 14 anos, faixa etária na qual o estudo é obrigatório. E o país tinha 33,1 milhões de alunos matriculados. Bastou esse dado para chegar à conclusão de que o grande gargalo da educação no país, na verdade, era outro — a repetência. Com diagnóstico mais preciso, o governo pôde pensar em políticas mais adequadas. Constatou-se a dificuldade, por exemplo, de alfabetizar um repetente de 14 anos com frases do tipo "Ivo viu a uva". Daí, cresceu a idéia de estimular as "classes de aceleração" do Maranhão, onde os alunos têm material didático próprio para sua idade. Neste ano, mais de 500 000 alunos participarão de projetos desse tipo. É um ataque ao coração do problema. Um problema tão grande que o país gasta, em média, cerca de 2,5 bilhões de reais por ano com repetentes. Atraso de décadas — Nas últimas décadas, a educação no Brasil passou por um tremendo avanço. Na época em que se faziam elogios rasgados à escola pública, ela funcionava apenas nas grandes capitais e seu público era uma elite restrita. Em 1960, só metade das crianças em idade escolar conseguia pôr os pés numa sala de aula. Na década seguinte, as escolas espalharam-se pelo interior do país, a educação tornou-se acessível para uma massa mais ampla, mas toda a expansão deu-se sem nenhuma preocupação com a qualidade do ensino. Nessa época, o governo privilegiava o ensino universitário, que atendia uma fatia minúscula da população — menos de 1%. Não era malvadeza do governo militar desse período. A prioridade à universidade se explica pelo projeto de país que os militares tinham em mente — um país auto-suficiente em relação ao mercado externo, capaz de atender sozinho a suas necessidades. "Era um caminho coerente com o modelo de desenvolvimento fechado", diz o ministro Paulo Renato. "Não havia concorrência e precisávamos desenvolver tecnologias agrícolas, de telecomunicações, de combustível." Como esse modelo econômico desabou, a educação no Brasil ficou suspensa no ar — voltada para algo que não existe mais. Enquanto o Brasil só tinha olhos para a universidade, a Coréia do Sul, por exemplo, lutava duramente para superar sua deficiência de ensino básico. Em 1953, só 13% dos coreanos eram alfabetizados. Hoje, quase 100% estão matriculados no ensino fundamental e cerca de 75% completam o ensino médio, o antigo 2º grau. O Brasil, no início dos anos 50, estava muito melhor que a Coréia. Metade da população brasileira sabia ler e escrever, mas, de lá para cá, o país fez muito menos que a Coréia. Com a estratégia de priorizar o ensino fundamental, o governo está apenas tentando superar um atraso de trinta anos. "O Brasil fez uma opção equivocada ao priorizar o ensino superior", diz a secretária de Educação de São Paulo, professora Rose Neubauer. "Estamos corrigindo um erro histórico." O dinamismo do MEC de hoje só é comparável ao dos tempos do governo João Goulart. Naquela época, o país debatia o tema da educação e se preocupava com a qualidade do ensino. A diferença é que, no governo de Jango, a educação era uma pauta política. "Falava-se na reforma universitária, na educação de jovens e adultos e nas reformas de base. A atenção à educação se explicava pela luta política da época", afirma o sociólogo Celso Beisiegel, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Agora, a discussão ficou mais técnica. As iniciativas do Ministério da Educação têm sido bem recebidas. Na essência, há certo consenso de que o MEC está no caminho correto. As críticas mais duras são voltadas para o ensino universitário, que vem sofrendo sangria de cérebros. A maioria das instituições federais de ensino está em greve. Os professores, sem aumento há três anos, pedem reajuste de 48%. Há outros gargalos a ser vencidos, mesmo porque a herança brasileira no campo da educação é péssima. "O fator mais importante é que as mudanças estão caminhando na direção certa", diz o professor Claudio de Moura Castro. Fonte:http://veja.abril.com.br/290498/p_094.html
Reforma da educação superior brasileira – de Fernando Henrique Cardoso à Luiz Inácio Lula da Silva